Flávia Bandeira Markieuvizi

Posso doar 100% do meu patrimônio?

Muitas pessoas que possuem patrimônio querem antecipar as burocracias sucessórias e buscam alternativas para evitar litígios entre herdeiros e minimizar custos com inventário futuro. Neste sentido, é comum a doação dos bens em vida. Todavia, a lei impõe algumas restrições em relação à doação, sendo proibida:

  1. Doação pelo devedor já insolvente, ou por ela reduzido à insolvência, visto que neste caso estaríamos diante de uma fraude contra credores, podendo a validade da doação ser impugnada por meio de uma ação pauliana, sem necessidade de comprovar conluio entre doador e donatário.
  • Doação da parte inoficiosa. Segundo o Código Civil Brasileiro – CC/2002, é nula a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor e testamento.
  • Doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice. Dispõe o CC/2002 que tal doação poderá ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. Esta proibição legal tem o objetivo de proteger a família e repelir o adultério. Vale ressaltar que o referido diploma legal também proíbe que o testador casado beneficie o concubino em seu testamento.
  • Doação de todos os bens do doador. Prevê o CC/2002 que “é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”. Esta restrição merece debate. Isto porque decorre da simples interpretação do artigo que, caso o doador possua fonte de renda ou institua o usufruto para si, não há óbice à doação universal. A intenção da lei, nestes casos é limitar a liberalidade ampla ao ponto de o doador, por negligência, fique reduzido à miséria necessitando de amparo do Estado.

Feitas tais considerações, procederemos a dois exemplos comuns:

  1. Casal, com dois filhos, querendo doar 100% dos bens aos filhos, na proporção de 50% para cada: neste caso, a doação é possível se as partes comprovarem ter alguma fonte de renda ou instituírem o usufruto sobre algum dos bens, de modo que não fiquem em desamparo material.
  • Pessoa sem herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge) que deseja doar seus bens integralmente a um amigo, sobrinho ou primo, por exemplo. Neste caso, não há necessidade de reserva de legítima (50% da totalidade dos bens). Porém, subsiste a necessidade de comprovar fonte de renda ou instituir usufruto sobre algum dos bens, pelo menos.

Uma questão importante a ser observada é que, sendo feita a doação de bem imóvel cujo valor seja superior a 30 salários mínimos, deve ser realizada por meio de escritura pública. Outro ponto a ser verificado é a necessidade de pagamento do Imposto sobre Causa Mortis e Doação – ITCMD, tributo de competência estadual, com regramento próprio de cada Estado.

Questões patrimoniais são complexas e carecem de assessoria especializada. Por isso, é importante que as partes estejam assessoradas por um profissional da sua confiança.